quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Sem demais comentários

O Conselho Directivo Nacional solicitou o nosso parecer sobre as seguintes questões:

1.ª) As deliberações da Comissão Eleitoral, excluindo os assuntos que dizem respeito a matérias que aguardam decisão judicial, estão feridas de algum vício que afecte a sua validade?

2.ª) Na eventualidade de a documentação existente do acto eleitoral não se afigurar fiável nem se podendo efectuar uma recontagem dos votos, qual a medida que o direito português prevê para resolver este tipo de situações, e qual o órgão que a deverá tomar?

Na resposta às questões colocadas, irá ser adoptada a seguinte sequência:

I – Apresentação dos factos

II – Da legalidade do acto eleitoral e das deliberações da Comissão Eleitoral Nacional

A) Da não publicação da acta definitiva de apuramento dos resultados logo após a realização do escrutínio

B) Da divergência entre o número de votantes descarregado nos cadernos eleitorais e o número de boletins de voto inseridos na urna de voto

C) Da violabilidade dos boletins de voto

D) Da recontagem dos votos efectuada pelos funcionários da Ordem

III – Das medidas a adoptar para superar a situação criada


I

Apresentação dos factos

Os principais factos a reter da situação em apreço são os seguintes:

1 – Após o apuramento dos resultados eleitorais, os boletins de votos respeitantes à assembleia eleitoral, em que votaram os arquitectos inscritos na Secção Regional Sul, não foram colocados em pacotes devidamente lacrados.

2 – As Comissões Eleitorais não publicaram logo após o acto eleitoral a acta de apuramento dos resultados, tendo optado por elaborar uma acta provisória, inacessível aos membros da Ordem dos Arquitectos para efeitos de apresentação de reclamações.

3 – Alguns dias após a realização do acto eleitoral, um conjunto de funcionários da Ordem dos Arquitectos, aproveitando-se do primeiro facto acima mencionado, realizaram uma recontagem dos votos sem a presença da Comissão Eleitoral, tendo concluído que os resultados tinham sido mal apurados.

4 – Na Acta da Comissão Eleitoral para os órgãos nacionais e para os órgãos regionais da Secção Sul, datada de 7 de Novembro de 2007, são descritas as seguintes ilegalidades:

- foram incorrectamente aceites dois votos de eleitores não constantes nos Cadernos Eleitorais que se apresentaram nesta Secção Eleitoral: um respeitante a um eleitor inscrito no Caderno Eleitoral da Secção Eleitoral a funcionar no Núcleo do Médio Tejo (Abrantes) e um outro que não constava de qualquer Caderno Eleitoral por não ser membro da Ordem à data da Convocatória das Assembleias Eleitorais;

- foi apresentada telefonicamente uma reclamação pelo membro nº. 10580, arquitecto Pedro Manuel da Silva Faria, junto da Comissão Eleitoral Regional Sul, por se ter visto impedido de votar na mesa eleitoral da delegação de Castelo branco por não constar nos cadernos eleitorais dessa mesa;

- existe uma discrepância nos resultados dos Órgãos Nacionais e Regional Sul, ocorrida na Assembleia de Voto da Sede Sul, e que originou a existência de mais votos na urna do que votos expressos descarregados nos cadernos eleitorais, designadamente mais sessenta e seis (66) votos nos Órgãos Nacionais e mais vinte e cinco (25) votos nos Órgãos Regionais Sul.

5 – Segundo consta da Acta n.º 7 da reunião das Comissões Eleitorais, ocorrida em 7 de Novembro de 2007, foi deliberado que «não existirem condições para se proceder à recontagem e/ou verificação e compatibilização com os cadernos eleitorais, dos resultados registados na “acta provisória” por ter deixado de estar garantida a inviolabilidade dos votos, facto a que as comissões eleitorais são alheias».

II

Da legalidade do acto eleitoral e das deliberações da Comissão Eleitoral Nacional

A) Da não publicação da acta definitiva de apuramento dos resultados logo após a realização do escrutínio

Por razões que desconhecemos, a Comissão Eleitoral Nacional não publicou a acta dos resultados eleitorias imediatamente a seguir ao escrutínio. Trata-se de uma ilegalidade, dado que só com a publicação da acta os interessados poderiam exercer o respectivo direito de reclamação.

No entanto, a ilegalidade em causa encontra-se sanada a partir do momento em que a Comissão Eleitoral deliberou, em 7 de Novembro de 2007, conceder novo prazo de 15 dias para apresentação de reclamações.

B) Da divergência entre o número de votantes descarregado nos cadernos eleitorais e o número de boletins de voto inseridos na urna de voto

Na Acta da Comissão Eleitoral para os órgãos nacionais e para os órgãos regionais, datada de 7 de Novembro de 2007, menciona-se que «a Comissão Eleitoral detectou um discrepância nos resultados dos Órgãos Nacionais e Regional Sul, ocorrida na Assembleia de Voto da Sede Sul, e que originou a existência de mais votos na urna que votos expressos descarregados nos cadernos eleitorais, designadamente mais sessenta e seis (66) votos nos Órgãos Nacionais e mais vinte e cinco (25) votos nos Órgãos Regionais Sul», tendo optado «na impossibilidade de proceder à sua verificação, conferência e rectificação, (...) [por] homologar os resultados».

Na resposta à questão colocada, vale a pena chamar à colação o disposto no artigo 101.º da Lei Eleitoral para a Assembleia da Republica (Lei n.º 14/79, de 16 de Maio, na redacção dada pela Lei n.º 10/95, de 7 de Abril), que transcrevemos, com excepção do respectivo n.º 4:

Artigo 101º - Contagem dos votantes e dos boletins de voto

1. Encerrada a operação preliminar, o presidente da assembleia ou secção de voto manda contar os votantes pelas descargas efectuadas nos cadernos eleitorais.
2. Concluída essa contagem, o presidente manda abrir a urna, a fim de conferir o número de boletins de voto entrados e, no fim da contagem, volta a introduzi-los nela.
3. Em caso de divergência entre o número dos votantes apurados nos termos do nº1 e dos boletins de voto
contados, prevalece, para efeitos de apuramento, o segundo destes números.

Isto significa que o legislador fornece como critério geral a prevalência dos votos entrados na urna face aos que foram descarregados nos cadernos eleitorais. Na opinião de FÁTIMA ABRANTES MENDES e JORGE MIGUÉIS, «a opção legal reflectida no n.º 3 é a única possível perante uma situação indesejável», partindo o legislador «do princípio que houve lapso dos escrutinadores e que ainda que não tenha havido, a outra solução – anular votos depositados na urna – seria inaceitável»[1].

Aplicando o critério legal plasmado na Lei Eleitoral para a Assembleia da República à situação em apreço, deve concluir-se que a Comissão Eleitoral agiu bem ao homologar os resultados resultantes dos votos depositados na urna.

O apelo à regra constante da Lei Eleitoral para a Assembleia da República justifica-se por, precisamente, tal remissão estar contemplada no ponto 12 do Regulamento eleitoral para resolução dos casos omissos.

Os resultados só não poderiam ser homologados se a ilegalidade detectada pudesse influenciar o resultado geral da votação. Com efeito, essa é a regra geral constante da já citada Lei Eleitoral para a Assembleia da República (artigo 90.º, n.º 2).

A explicação desta regra encontra-se no glossário de conceitos eleitorais publicado no site da Comissão Nacional de Eleições[2], no qual, a propósito do conceito «Nulidade da Votação» se afirma o seguinte:

«Atendendo à importância vital da eleição como processo de escolha dos governantes através da livre expressão do povo, justifica-se que, se ocorrerem ilegalidades que venham a alterar a vontade livremente expressa nas urnas, a eleição seja anulada.

O alcance dos dispositivos legais concernentes à nulidade das eleições e consequente repetição do acto eleitoral é restritivo, na medida em que só relevam os vícios que influenciem o resultado final da eleição, imperando nesta matéria o princípio da proporcionalidade em relação à área a considerar.

Assim, se se apurar que a ilegalidade afectou duas secções de voto não há razão para estender a nulidade a todo um círculo, situação que viria a consubstanciar um desvio a um outro princípio - o princípio da igualdade de sufrágio. De facto, este princípio não se confina ao direito de voto de cada cidadão nem às condições de elegibilidade projectando-se também durante o processo eleitoral com a simultaneidade do mesmo em todas as suas fases e em particular na votação.

Acontece, porém, que a anulação de umas eleições provoca a sua repetição em momento ulterior àquela em que tiveram lugar, o que posiciona eleitores e candidatos numa situação diferente da inicial, comum para todos, e agravada se estiver em causa a distribuição de algum mandato».

A discrepância entre as descargas efectuadas nos cadernos eleitorais e os votos entrados na urna não é suficiente para afectar o resultado geral da votação. Com efeito, a divergência de 66 votos nos órgãos nacionais e 25 votos nos órgãos regionais da Secção Sul em nada afectaria o resultado final das eleições. E esta asserção vale mesmo nos casos do Conselho Nacional de Delegados e do Conselho Regional Sul, em que a distribuição de mandatos se faz por aplicação do método de hondt. Mesmo que não fossem contabilizados os votos entrados a mais na urna, os mandatos a atribuir a cada lista seriam exactamente os mesmos.

Assim sendo, a ilegalidade em causa não é suficiente para gerar a repetição do acto eleitoral, devendo, pois, por essa razão ser homologados os resultados em causa.

De assinalar, no entanto, que, ainda que os factos descritos não sejam suficientes para anular o processo eleitoral, os mesmos podem ser suficientes para desencadear o exercício da acção penal pelo Ministério Público por poder haver indícios do crime de falsificação de documentos previsto e punido nos artigos 256.º e seguintes do Código Penal[3].

C) Da violabilidade dos boletins de voto

A Comissão Eleitoral desresponsabiliza-se pelo facto de os boletins de voto não terem sido colocados em pacotes devidamente lacrados. No entanto, estranha-se este entendimento, uma vez que era a cada uma das Comissões Eleitorais que cabia velar pelo normal funcionamento do processo eleitoral, o qual não se esgotava no apuramento dos resultados eleitorais. Com efeito, até ao fim do prazo para apresentação de reclamações, os boletins de voto deveriam ter sido mantidos em pacotes lacrados, aos quais só deveriam poder ter acesso aos membros das Comissões Eleitorais,

Nessa medida, a actuação das Comissões Eleitorais foi negligente, pelo que lhes é inteiramente imputável a situação de não poder haver recontagem de votos, assim se inviabilizando também a possibilidade de apreciação de eventuais reclamações. Mais: deste modo, foi denegado o direito de impugnação das deliberações por elas tomadas.

Nestes termos, é de equacionar a possibilidade de a actuação dos membros das Comissões Eleitorais constituir ilícito disciplinar por ofensa ao disposto no artigo 51.º, alínea b) do Estatuto da Ordem dos Arquitectos (EOA) e no artigo 14.º, alínea a) do Regulamento de Deontologia. Por isso mesmo, os factos em causa devem ser comunicados ao Conselho Nacional de Disciplina, órgão estatutariamente competente para os apreciar, nos termos do artigo 20.º, n.º 2, alínea b) do EOA

Nem se diga que cabia ao Conselho Directivo Nacional velar pela inviolabilidade dos boletins de voto, pois essa competência não podia ser atribuída ao órgão executivo da Ordem dos Arquitectos. Precisamente, para assegurar a isenção e a imparcialidade do processo eleitoral, essa competência cabe a um órgão administrativo criado ad hoc, no qual têm assento os membros da Assembleia Geral e de cada uma das listas.

Pelas mesmas razões, também não cabia ao Conselho Directivo Regional Sul garantir que os boletins não fossem violados. A menos que a Comissão Eleitoral tivesse acordado com esse órgão que lhe cabia velar pela inviolabilidade dos boletins de voto.

D) Da recontagem dos votos efectuada pelos funcionários da Ordem

Questão diversa é a de saber se a recontagem dos votos efectuada pelos funcionários é susceptível de ser considerada válida.

Dado que os boletins de voto não se encontravam devidamente inseridos em pacotes lacrados, não há condições para considerar essa recontagem válida. Daí que os resultados apurados na recontagem não podem adquirir qualquer tipo de relevância.

Resta, porém, a questão de saber se a actuação dos funcionários da Ordem que procederam à recontagem dos votos é susceptível de gerar a aplicação de uma sanção disciplinar.

Ora, a menos que tenham actuado em execução de ordens emanadas dos respectivos superiores hierárquicos, tem forçosamente de se concluir pela necessidade de apuramento da respectiva responsabilidade disciplinar. De assinalar ainda que, caso os funcionários tenham actuado em obediência a ordens superiores, isso envolverá a responsabilização por parte de quem tiver dado as ordens.

A única forma de esclarecer a situação descrita passa pela abertura de um procedimento de inquérito pelo Conselho Directivo Nacional.

III – Das medidas a adoptar para superar a situação criada

Atendendo aos factos descritos, propõe-se que o Conselho Directivo Nacional adopte as seguintes medidas:

1.ª) Comunicação dos factos ocorridos durante o acto eleitoral ao Conselho Nacional de Disciplina por a actuação dos membros das Comissões Eleitorais poder constituir ilícito disciplinar por ofensa ao disposto no artigo 51.º, alínea b) do Estatuto da Ordem dos Arquitectos (EOA) e no artigo 14.º, alínea a) do Regulamento de Deontologia;

2.ª) Abertura imediata de um procedimento de inquérito para apuramento da responsabilidade dos funcionários e/ou dirigentes da Ordem pela violação dos boletins de voto;

3.ª) Compilação de todos os elementos respeitantes às ocorrências do processo eleitoral e comunicação dos mesmos ao Ministério Público para exercício de acção penal por poder haver indícios da prática do crime de falsificação de documentos, previsto e punido nos artigos 256.º e seguintes do Código Penal.

Lisboa, 19 de Novembro de 2007 João Miranda



[1] Cfr. Lei Eleitoral para a Assembleia da República Anotada, disponível no site da Comissão Nacional de Eleições em www.cne.pt.

[2] Cfr. www.cne.pt.

[3] Nesta situação não se pode falar em crimes eleitorais, dado que, segundo os artigos 336.º e seguintes do Código Penal, esses tipos penais estão reservados para as eleições de órgãos de soberania, das autarquias locais e de referendos.

7 comentários:

Anónimo disse...

Mais uma vez é fantástico.!

Como este blog tem uma redação de informação de primeira linha.

Já está publicado um documento destinado ao CDN antes mesmo de este reunir para tomar conhecimento da sua existência..

Que noção do funcionamento da democracia é esta?

Talvez sul-americana?

Ou mesmo da anarquia total!

Parabéns !

Conseguem continuar a surpreender .!

Anónimo disse...

Gostava de lembrar que o nome que tem sido usado como cobertura a muito do que aqui se passa, não merece ser tratado e envolvido em disparates como este.

Há que perceber, de uma vez por todas, que a Ordem dos Arquitectos não é uma instituição qualquer. Isto não pode ser uma brincadeira de meninos. Estas coisas têm consequências para todos os arquitectos.

Não se podem publicar documentos que são internos, propriedade de um orgão social, e que são em última analise de teor reservado e confidencial.

Dado que o autor deste blog, tanto quanto se sabe, não é sequer ainda membro da Ordem - e portanto não poder ser responsabilizado disciplinarmente por esta - esta irresponsabilidade pode mesmo ser objecto de participação ao Ministério Público.

Em defesa do próprio arquitecto Manuel Vicente, sejam responsáveis de uma vez por todas.

Obrigado

Anónimo disse...

Caros anónimos,

É com efeito lamentável o que se têm feito, e não só aqui, à sombra do nome do Manuel Vicente.

É minha esperança que a lista que hoje toma posse, fazendo jus ao seu repetido prezo pela legalidade, remeta ao ministério público uma compilação de TODAS as circunstancias que envolveram o processo eleitoral realizado, para cabal apuramento de responsabilidades, nomeadamente das criminais.

Quanto à presente divulgação deste documento, parece-me merecedora de integrar a referida compilação, por ser uma clara prova da falta de isenção dos actuais membros do CDN. A que deverão ser anexados outros conteúdos de sítios, ou blogues, afins.

Eu próprio já elaborei uma compilação que considero significativa, que porei à disposição de quem de direito.

Sem ser especialista, parece-me que existem indícios claros de crimes públicos vários que com toda a certeza terão a atenção do ministério público.

É a vantagem da OA ser uma instituição de direito público: o estado terá de investigar sem que precise de se gastar um tostão!

com os meus melhores cumprimentos,

Anónimo disse...

EXPULSÃO DOS RESPONSÁVEIS, JÁ!!!

Anónimo disse...

ó Manel, estes gajos são MESMO uns cobardes de merda, pá.
acabaram se tomar posse e já comcaram a perseguir as pessoas... a comecar pelo teu estagiario...! há coisas fantasticas, não há?

Anónimo disse...

Que bonito...agora até querem levar o tipo que carrega no botão ao Tribunal...esperemos que a lista que tanto apoiam (e que agora está com a pasta na mão) não cometa o erro de ter pretensas de cariz discriminatório para com os estagiários como vocês a têm (como se não bastasse já o inferno pelo qual eles têm de passar). E se, a classe dos ilustres arquitectos tem tantos complexos e imperativos de superioridade, então tenho vergonha de a ela pertencer.

Sim, sejam responsáveis e sejam sérios, mas aproveitem e sejam Mulheres e Homens pelo meio; se é assim tão prestigiante a diferença entre Licenciados e Arquitectos, por que raio não se metem com alguém do vosso tamanho?

Aproveitem e paguem qualquer coisinha aos vossos estagiários, que eles, embora rodem de 9 em 9 meses, até vão dando jeito lá no atelier. Entre outras coisas, sim, Cobardes.

Anónimo disse...

E já agora, deêm uma vista de olhos à informação que está no texto que comentam; porque de facto, tem todo o interesse.