segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Opinião - Nuno Vidigal

Em defesa do Processo

Foi mais uma vez com grande desânimo que tomei conhecimento da baixa taxa de participação (15,6 %, segundo noticia de 19.10.2007 do site da OASRS) nas últimas eleições de Outubro.

Talvez essa taxa até tenha sido a mais alta de sempre. Não sei e isso pouco me interessou. O que realmente me interessou foi a tomada de consciência de que os restantes 84,4%, ao não expressarem a sua intenção de voto, consideraram que tal não valia o esforço.

Efectivamente, habituámo-nos todos a considerar que a Ordem é um mal necessário obrigatório à nossa actividade profissional e que não serve para mais nada senão para pagar quotas.

Desde há longos anos que assistimos impávidos e serenos à perda de direitos fundamentais no exercício dos actos próprios da nossa profissão, sem que tenhamos conseguido inverter na realidade o rumo dos acontecimentos. Podemos sempre invocar o recorrente discurso miserabilista de que somos poucos e não temos peso na sociedade. Mas hoje já não somos assim tão poucos e há cada vez mais arquitectos a exercerem cargos de decisão em todas as actividades da nossa sociedade.

O facto é que todos nós temos muito poucas expectativas na nossa acção, e em particular na acção da Ordem. Infelizmente, podemos mesmo dizer com alguma ligeireza que nos é indiferente o que a Ordem, e quem a representa, fazem.

Podemos pois ficar todos descansados e a Ordem pode continuar a sua pacata actividade. Cada um vai continuar a resolver os seus problemas à sua maneira, mesmo que isso continue a implicar atropelos éticos e uma crescente divisão da classe. Quantos mais formos, menos nos uniremos e mais nos prejudicaremos.

Ficarmos descansados pode até ser considerado uma decisão sensata, pois todos temos assistido com alegria e orgulho à grande divulgação e promoção da nossa arquitectura. Publicações nacionais e estrangeiras, exposições e feiras, têm divulgado, de uma ou de outra forma, o crescente número de obras de arquitectura de qualidade no nosso país (talvez sejam poucas as obras para tantos e diferentes arquitectos!).

É inquestionável que hoje há bons projectos e boas obras de arquitectura em Portugal, aliás como sempre houve mesmo quando eram poucos arquitectos, o que é questionável e reprovável é o enorme esforço acrescido que todos necessitamos de fazer (hoje mais do que nunca!) durante o Processo que dá origem a essas obras. E se uns têm a força e a disponibilidade individual para lutar e vencer todos os desrespeitos e atropelos à sua actividade, outros não. Esses necessitam de uma acção clara de entre ajuda no seio da classe para levar de vencida as nossas mais diversas adversidades na profissão.

É por isso que nos agrupamos. É para isso que a Ordem existe.

Para que possamos começar a acabar com esta apatia e desânimo generalizado, necessitamos na Ordem de alguém inconformado com a situação actual da classe e da profissão e que, com o apoio de uma equipa coesa, nunca desista na defesa dos nossos direitos e deveres. Neste momento, para mim, esse alguém é o Manuel Vicente.

PS: A repetição das eleições deve-se ao facto do Manuel Vicente ter acreditado que estava a ser injustiçado e ter lutado pelos seus direitos. Queremos melhor exemplo de inconformismo ?

Lisboa, 24 Fevereiro 2008

Nuno Vidigal
(candidato a membro do Conselho Nacional de Delegados)

1 comentário:

Anónimo disse...

Eu não irei votar pela razão do costume, tenho as quotas atrasadas, ultrapassam já os quinhentos euros. E para que se perceba (porque é principalmente uma questão de escala), direi que esse valor é o que posso gastar em quatro meses para alimentar a família (casal e um filho). Sim é verdade, sim é possível, basta não haver alternativa. Não posso votar, não posso fazer concursos e só posso aceitar projectos que superem o valor da dívida (acabei, há duas horas, de passar um pequeno trabalho a um colega, um trabalho que não pude aceitar por não poder assinar e por não ter feitio para assinaturas de favor). Mas de todas as coisas que me impossibilitam de sair desta condição (precisamente por estar nela) a que mais me diverte é que a própria Ordem me condena à incultura suspendendo o envio da revista a quem não paga a quotas, deduzindo, por analogia com o caso de quem toma essas decisões, que as não pago porque não quero.
Até o Estado percebe que às pessoas em dificuldade se devem retirar os obstáculos para que possam recuperar (a isenção do pagamento das contribuições para a Segurança Social existe e pratica-se a partir de um determinado patamar, o mesmo acontecendo com o IRS), apenas a Ordem, distraidamente (porque quem decide vive num mundo bem distinto), levanta pequenos obstáculos ou barreiras pragmaticamente intransponíveis.
Talvez vote nas próximas. Ou talvez seja excluído da Ordem entretanto por não apresentar trabalho.

António R.J.C.

[curiosidade - Quando os jovens me dizem que querem ser arquitectos e me pedem conselhos digo-lhes sempre «Forma-te em Engenharia; é o caminho mais seguro para teres projectos de arquitectura; esses, pelo menos, defendem-se uns aos outros»]